10/10/2010

Discussão do Aborto (Só nas Eleições!)

A discussão política no Brasil realmente anda em círculos. Volta e meia em período eleitoral a discussão recai sobre o aborto. Agora o tema tabu voltou à mídia, no embate Dilma X Serra. É uma pena que o debate sobre aborto só apareça nessas circunstâncias, como fator político capaz de trazer votos dos indecisos para um ou outro lado, e passadas as eleições caia novamente no esquecimento. Esse assunto me interessa, já postei nesse blog há algum tempo falando sobre o tema. O melhor seria uma discussão franca, fora do período em que os políticos andam “pisando em ovos”, e tratado com seriedade.

No Brasil o aborto é permitido apenas em dois casos: em caso concepção como resultado de estupro e em caso gravidez com perigo de vida à mãe. E a lei brasileira está de acordo com as regras do CFM (Conselho Federal de Medicina). Infelizmente o CFM nunca é chamado ao debate sobre o aborto, afinal temos um conselho de ética médica que poderia ajudar bastante na discussão do tema. Mas nesse blog não falo apenas como médico, mas principalmente como cidadão.

Acredito que deveria ser revista a lei do aborto. Casos de inviabilidade fetal e malformações são permitidos ao aborto em alguns países da Europa, mas por aqui é considerado “aborto eugênico”. E ao falar em eugenia, remetemos ao nazismo e a discussão fica prejudicada. Mas não se trata de aborto para fins de “melhoria genética”, ou seja, para priorizar uma ou outra etnia e selecionar características como altura e cor dos olhos. Trata-se de se repensar na atitude frente a fetos anencéfalos, inviáveis para vida extra-uterina, e em casos de graves más-formações que tornariam as vidas dessas possíveis futuras crianças um sofrimento com o inevitável desfecho fatal precoce. Devemos discutir esses casos sem preconceitos e de forma séria, trazendo a parte ética e científica à tona, e parando de tratar o assunto como uma questão religiosa.

Agora, a legalização irrestrita do aborto me parece uma total irresponsabilidade. Aborto não pode ser um método de controle de natalidade, não pode substituir o planejamento familiar, não deve ser um passe livre para o sexo sem proteção. Faltam ainda campanhas de planejamento familiar e combate à gravidez na infância e adolescência, de preferência associadas às campanhas contra as DST e AIDS. É muito mais fácil e digno ao ser humano o uso de preservativos. É mais barato ao SUS a distribuição ampla de preservativos do que o tratamento de DST’s e AIDS. A saúde da mulher começa na conscientização da necessidade de uso de preservativos para prevenção de DST’s e gravidez indesejada.

O jornal “O Globo” de hoje envereda por um caminho perigoso: a descriminalização do aborto levando em conta o número de mortes pelo aborto ilegal. É um argumento inválido, pois desconsidera completamente a necessidade de combate ao comércio ilegal de substâncias abortivas e às clinicas clandestinas de aborto. É hipocrisia falar que a descriminalização do aborto e a subseqüente oferta de abortos legais pelo SUS favoreceriam ao pobre. O argumento de que os ricos pagam e fazem um aborto “seguro” e o pobre faz em condições precárias também é inválido. Só quem nunca precisou do SUS pode acreditar nisso. Uma simples marcação de consulta com cardiologista pode levar de 3 meses a 1 ano, o SUS está sobrecarregado, liberar o aborto para ser realizado no SUS o sobrecarregaria ainda mais e imagina ter de esperar meses para um aborto... é inviável. A liberação favoreceria mais aos ricos, que poderiam agendar seu aborto em um hospital particular com excelência médica, enquanto o pobre continuaria fazendo aborto em clínicas de higiene precária pela dificuldade de atendimento no SUS. Além disso, volto a destacar o gasto de aborto no SUS custaria mais à União do que as medidas simples de prevenção e distribuição gratuita de preservativos, somadas às campanhas públicas contra gravidez indesejada e DST’s e Aids. Além disso, o aborto não é um ato isento de riscos à saúde da mulher, há risco, como qualquer procedimento invasivo. Risco de mortalidade e morbidade.

A questão do aborto deve ser discutida com seriedade sim. E de preferência em um momento político favorável a essa discussão, fora dessa época de caça aos votos. E sendo considerado um problema de saúde pública, discutido no âmbito da ética e da ciência, e não no campo da religião. Mesmo porque religião é dogmática, não aceita discussão. E o Brasil, como país laico que é, não pode submeter suas leis e suas políticas de saúde pública ao controle de nenhuma religião. Que venha então esse debate. Mas aposto que passado o 31 de outubro, a questão do aborto cairá novamente no esquecimento da mídia e da opinião pública. É viver para ver.