São Paulo virou zona de guerra. Considero São Paulo uma cidade desagradável, com trânsito caótico, engarrafamentos colossais durante o dia e “pegas” durante a noite toda, polícia violenta, e um povo antipático. Só passo por São Paulo a caminho de outro lugar qualquer, e sempre me perco (a sinalização é sempre depois da bifurcação...). Não tem praia, o Tietê fede. Não gosto de São Paulo, definitivamente. Mas não posso deixar de escrever ao ver na TV o povo aterrorizado e, pior, a própria polícia aterrorizada. A cidade se tornando uma faixa de Gaza brasileira.
O que está acontecendo em São Paulo é um aviso das proporções que o poder do crime organizado está tomando. Em “Cidade Partida”, Zuenir Ventura mostra parte da gênese desse poder paralelo no Rio de Janeiro. Nada se fez até hoje de concreto para deter o avanço da criminalidade, e cada grande cidade do país, em maior ou menor grau, apresenta essa realidade.
Não me venham dizer agora que a violência é culpa do sistema sócio-econômico, da exclusão de parte da população que, sem oportunidades de trabalho e estudo, ingressa no mundo do crime. Se assim fosse, todo pobre seria criminoso, o que não ocorre. Pelo contrário, a maioria é de trabalhadores, gente humilde e batalhadora. E, por outro lado, o que dizer dos garotos da zona sul que roubam carros das garagens para comprar drogas, ou dos pit boys que aterrorizam com brigas e vandalismo as noites das grandes cidades? Não. O que realmente leva ao avanço da criminalidade é simplesmente a falta de repressão, de punição, de combate ao crime. É a certeza da impunidade, é a corrupção do sistema penal que permite que as celas, no lugar de local de punição, se tornem escritórios do crime.
E a cisão é cada vez maior, uma desconstrução da sociedade constituída, uma subversão da ordem estabelecida (no mau sentido), a destruição dos valores éticos. Torna-se sinal de status ser bandido, carregar uma uzi, matar os desafetos. As meninas (inclusive as de classe média e alta) querem ser namoradas desses anti-heróis. Os meninos querem ser iguais a eles. E o nível de organização atinge a cultura, com seus hinos e brados tribais, na expressão do funk. Não esse funk a que estamos já acostumados a ouvir, mas os “proibidões” que enaltecem o tráfico, que a nossa polícia não consegue impedir de serem veiculados em rádios clandestinas, em bailes da favela e vendidos em Cd´s piratas nos camelôs da cidade.
E a corrupção generalizada faz com que a polícia aceite propinas (“arregos” na gíria própria da marginalidade) e deixe a situação se agravar ao ponto em que chegamos, ao nível de organização de um exército infiltrado entre nossa gente. O que vemos em São Paulo é o sonho de guerrilha da esquerda dos anos 60 e 70, agora realizado não por ideologia, mas como mostra de poder do crime. Estamos virando uma Colômbia, e como resistir?
Não basta a polícia, não basta intervenção Federal, tropa de elite ou exército nas ruas como um estado de sítio. Precisamos de um serviço de inteligência (como o foi o SNI, ou seria não fosse pela corrupção e a natureza de repressão ideológica), para se infiltrar, colher os dados logísticos que permitiriam ações rápidas e precisas antes de ocorrerem os problemas. Desbaratar o crime organizado de dentro para fora, desarticulá-lo, identificar os verdadeiros líderes, menos fáceis de serem substituídos, e decapitar a organização com suas prisões e isolamento. Para tal teríamos que contar também com um sistema penitenciário realmente eficaz, com prisões federais em locais afastados para onde seriam transferidos os condenados de maior periculosidade.
Um dia talvez isso tudo se torne realidade, tolerância zero contra o crime. Mas por enquanto, vamos continuar assistindo o poder público entrando em acordo com os criminosos, tendo a sociedade como refém dessa guerra civil absurda. É o reconhecimento do Estado de que há um outro poder, com o qual temos de conviver e tolerar, dialogar e abaixar a cabeça. E agradecer a Deus por sairmos vivos.
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