O ser humano possui algumas características que o diferenciam dos outros animais. As mais importantes, segundo a antropologia, é o telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor. Mas existem outras diferenças, é claro. Uma diferença menos óbvia, mas não menos importante, é a consciência da morte. O objetivo desse pequeno texto que estou escrevendo após virar a noite trabalhando no hospital, com bastante consciência da morte ao meu redor, é entender o que o ser humano faz desse conhecimento.
O conhecimento da própria finitude gera uma resposta complexa por parte do ser humano. Não usamos esse conhecimento com freqüência, ao contrário da tabuada. Na maior parte das vezes, nós sequer lembramos-nos da inevitabilidade da morte, é mais fácil fingir que somos eternos. E assim nós seguimos nossas vidas, com nosso trabalho, nossos amores, nossas dores, nossa diversão ocasional e o cansaço constante. Porque afinal, se tivermos sempre em mente que estamos aqui só de passagem, e com destino incerto, vêm as incertezas e aquela sensação de futilidade; afinal, se o destino é o fim, de que nos vale tudo isso? E aí é fácil que a angústia venha oprimir o peito e corroer a vontade, deixando o vazio tomar conta da mente e do coração.
Sempre sofri com essa angústia, e valia para mim também o mau hábito de desviar a reflexão sobre a própria morte sempre que esta invadia os meus pensamentos, como um alienígena ou um visitante indesejado. E procurar muitas atividades, para não ter que pensar muito sobre o fim. Se ocupar ao máximo para evitar o vazio. Mas não tem de ser assim. Percebi isso hoje, saindo do hospital. O sol se levantava, tingindo de vermelho as poucas nuvens no horizonte, e o céu atingia aquele azul límpido da aurora. E fiquei inexplicavelmente feliz, apenas por estar vivo e poder presenciar aquele espetáculo, ao mesmo tempo cotidiano e extraordinário, e (melhor de tudo) gratuito. E, se a morte é inevitável, cada segundo é importante, cada nascer do sol merece ser visto. O fato da vida ter seu fim inevitável na morte não a torna supérflua ou sem sentido. Apenas reforça o fato de que a vida é agora, é única, é preciosa.
Talvez eu esteja escrevendo de forma sentimentalóide, piegas mesmo. Deus me livre de parecer livro de auto-ajuda! Não era minha intenção escrever verdades da vida ou historinhas com moral. Estou escrevendo porque me pareceu importante a estranha sensação de que todo o sentido que sempre procurei na minha própria vida possa estar simplesmente na vida em si. E quem realmente me conhece vai saber o quanto isso é importante para mim.
Talvez mais tarde, quando eu acordar, já tenha passado e eu precise ler isso para lembrar.
2 comentários:
A saúde mental é um paradoxo: depende de saber-se mortal e viver como imortal. Não é a única angústia no mundo. Tem gente que sofre porque quer saber de onde veio; pra onde vai. Tem gente que sofre porque quer sempre o que não tem, ou nunca está feliz com o que tem.
No geral, é só uma questão de livre-pensar. Quando pesa, é depressão ou suas variáveis.
Eu acho as pessoas mais simples mais felizes, assim como as pessoas crentes. Elas deixam "nas mãos de deus" e isso as alivia.
Fico feliz por ti, mio caro amico!
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